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Foto do escritorFábio Santos

Nota pública nr. 002/2021 - Sobre o assassinato bárbaro da adolescente Kaingang Daiane Griá Sales



Os valores, modos de vida, conhecimento, sistemas de gestão e governança de recursos, economias e tecnologias dos povos indígenas e comunidades locais têm muito a oferecer ao reimaginar sistemas globais que não deixem ninguém para trás. (Quinto Relatório Panorama da Biodiversidade Global, ONU, p. 115, tradução livre).


Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos. (Ideias para adiar o fim do mundo, Ailton Krenak).



A AbrePaz, entidade alicerçada nos princípios de diversidade, inclusividade e, principalmente, de não-violência, manifesta repúdio e indignação contra o assassinato hediondo da jovem Daiane Griá Sales, de apenas 14 anos, pertencente ao povo Kaingang.


O crime ocorreu no dia 04 de agosto de 2021, no Setor Estiva da Terra Indígena do Guarita, no município de Redentora, estado do Rio Grande do Sul. Maior terra indígena do estado, o território vem sofrendo invasão para a extração ilegal de madeira e tal ocupação gera insegurança para a população indígena de 7,3 mil habitantes.


O homicídio cruel de Daiane é resultado direto do crescimento e conivência ao discurso de ódio e à retirada deliberada de direitos dos povos indígenas engendrada pelo atual governo federal, que podem ser demonstrados pela aprovação do Projeto de Lei PL490/07 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, visando à transferência da demarcação das terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para o Poder Legislativo. O PL é inconstitucional, pois estabelece um marco temporal para definir quem tem direito à posse da terra e retira dos indígenas o usufruto exclusivo das terras.


O crime contra Daiane é também resultado da falta de proteção social aos guardiões da terra: povos tradicionais, quilombolas e pequenos produtores familiares. A lógica imperante é a do lucro acima da vida, do dinheiro acima da natureza, o que vulnerabiliza ainda mais esses povos. São eles que garantem a soberania alimentar e a preservação ambiental. São eles que conservam a integridade das florestas, evitando que ocorra desmatamento e destruição da biodiversidade. São eles, ainda, que conservam os saberes tradicionais e mantêm os ciclos naturais em seu fluxo para que sustentem a vida humana.


Na semana em que se comemora o aniversário de 15 anos da promulgação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), o assassinato e esquartejamento de Daiane é um amargo reflexo do ódio às mulheres, da escalada de violência de gênero, da falta de proteção às meninas e mulheres, no país em que vê o aumento tanto dos feminicídios quanto dos pedidos de medidas protetivas, segundo dados do Anuário de Segurança Pública de 2021. É resultado de uma sociedade patriarcal que preferiu semear a violência como modo de comunicação e resolução de conflitos.


Repudiamos a violência cometida contra Daiane e a deterioração das condições de vida dos povos indígenas. Endossamos as palavras da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga): “Quem comete uma atrocidade desta com mulheres filhas da terra, mata igualmente a si mesmo, mata também o Brasil”. Matamos a possibilidade de nos tornar um país que acolha todos e todas filhos e filhas, matamos as chances de nos tornar o melhor que podemos ser.


Conclamamos os órgãos competentes – FUNAI, Polícia Federal, Ministério Público – a se posicionar no sentido de garantir a segurança e proteção do povo indígena entregue à violência e à invasão de seu território. Conclamamos por justiça, segurança, preservação cultural, saúde, alimentação adequada, paz e bem-estar social a esses povos.


Gostaríamos de manifestar nossos mais profundos e sinceros sentimentos a Daiane, a seus familiares e ao povo Kaingang.



Brasil, 09 de agosto de 2021

Associação Brasileira Espírita de Direitos Humanos e Cultura de Paz - Abrepaz

Diretoria Executiva



 

REFERÊNCIAS


Dados sobre a votação do PL 490/07 disponíveis em: https://www.camara.leg.br/noticias/779075-ccj-conclui-votacao-de-projeto-sobre-demarcacao-de-terras-indigenas (Acesso em: 07 de agosto de 2021).


Por que os indígenas são a chave para proteger a biodiversidade planetária: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/07/politica/1557255028_978632.html. (Acesso em: 07 de agosto de 2021).


Quinto Relatório Panorama da Biodiversidade Global, publicado pela Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica disponível em: https://www.cbd.int/gbo/gbo5/publication/gbo-5-en.pdf. (Acesso em: 07 de agosto de 2021).


“A finalidade é desapropriar e tomar as nossas terras”: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2021/07/a-finalidade-e-desapropriar-e-tomar-as-nossas-terras-afirma-indigena-sobre-pl-490/. (Acesso em: 07 de agosto de 2021).


Manifesto das Mulheres Indígenas do Brasil contra a barbárie cometida à jovem Daiane Kaingang, de 14 anos: https://apiboficial.org/2021/08/05/manifesto-das-mulheres-indigenas-do-brasil-contra-a-barbarie-cometida-a-jovem-daiane-kaingang-de-14-anos/. (Acesso em: 07 de agosto de 2021).


A violência contra meninas e mulheres no ano pandêmico (Fórum Brasileiro de Segurança Pública): https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/07/6-a-violencia-contra-meninas-e-mulheres-no-ano-pandemico.pdf. (Acesso em: 07 de agosto de 2021).


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