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  • Foto do escritorFábio Santos

Cultura de violência

Atualizado: 31 de mai. de 2019



Tenho observado, sobretudo a partir de 2013, uma crescente onda de indignação acompanhada de ódio entre os brasileiros, que foi manifestada nas famosas passeatas naquele mesmo ano. Algo não me atraía para aquele movimento, ainda que algumas pautas fossem legítimas. A raiva e a indignação visíveis nas atitudes e gritos contra a corrupção, e mais tarde contra a presidente e seu partido (e contra quem os apoiasse), me pareciam, cada vez mais, orquestradas e seletivas. A indignação é um sentimento poderoso e deve ser bem canalizado para produzir frutos úteis à sociedade, senão corre o risco de virar simples máquina de destruição (de reputações, democracias, direitos).


A democracia é um valor pouco compreendido aqui no Brasil. Quando não a temos, a desejamos. Quando a temos, não sabemos o que fazer com ela, e acaba desprezada. Quando digo democracia, penso na participação política como algo indissociável. Então veio o golpe político contra a presidenta, e contra o país, pois quando a democracia perde, todos perdemos. Assume o vice, com sua ponte para o atraso. E já dizia Lavoisier “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, toda aquela energia de ódio (sim, ódio sim, quem usasse uma camiseta vermelha nas ruas poderia sofrer alguma violência!) emanada desde 2013 estava no ar, ou seja, na psicosfera, e necessitaria de ser transformada urgentemente em energia positiva, ou pelo menos neutralizada, mas isso não ocorre nem tão rápido nem magicamente.


Assim, mergulhados em uma atmosfera em que preponderava o desejo, por parte da população, de vingança e “purificação”, o “destino” pariu o representante deste ódio, aquele que encarnaria o anseio (de setores da sociedade) pela justiça e moral. Bolsonaro apareceu dizendo coisas horripilantes (“o erro da ditadura foi torturar e não matar”, “eu jamais ia estuprar você porque você não merece”, “matando uns 30 mil, (...) se vai morrer alguns inocentes, tudo bem”, “o filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um couro, ele muda o comportamento dele.”, etc), mostrando sua face misógina. homofóbica, racista, fascista. Mas, para mim, a atitude mais degradante foi a homenagem ao torturador Brilhante(?!) Ustra no dia do golpe! É de uma gélida ausência de empatia.


Então o capitão foi eleito presidente, para alegria de muitos religiosos, inclusive espíritas, que o defenderam com todos os argumentos possíveis, inclusive doutrinários. E o que vemos é um presidente com uma política lesa-pátria que nos envergonha com sua submissão humilhante aos Estados Unidos, sua ausência de estatura diplomática, suas falas deprimentes, seu descaso com o país e o povo. Elogia ditadores no Chile e no Paraguai, causando constrangimento e protestos. Alguns brasileiros decidiram exilar-se por não mais se sentirem seguros em um país comandado por alguém que exalta o torturador e as milícias.


Não foi sem espanto (minto, me espantei sim, como sempre) que leio que o presidente conclama os militares a comemorarem a data histórica de 31 de março - a “revolução”! O que se poderia esperar? Dele, muito pouco. Volto-me para os companheiros espíritas, com fé no Alto, para que possamos nos unir cada vez mais em torno dos valores esquecidos (até mesmo por tantos no movimento espírita) da ética, da cultura de paz, da não-violência, da razão, dos direitos humanos, do livre-pensar, da compaixão, da inclusão, da diversidade e tolerância. O espírita que bem compreendeu as lições dos grandes mestres do amor nem precisaria recorrer à doutrina para saber que somente o Amor transforma. Toda aquela energia de ódio deverá ser transformada pois que ela não desaparecerá por um encanto. É com muita empatia e amor, mas também união e apoio, estudo e diálogo, e ações no bem, que faremos essa transformação interna e social. O espírita não deve comemorar o golpe civil-militar que torturou, violentou, matou em nome de uma ameaça que nunca existiu (comunismo), pretexto para derrubar a democracia e implantar um regime que garantiria o poder nas mãos de sempre. O espírita não deve apoiar quem, em sã consciência, faz apologia à cultura da violência. Somos responsáveis pelas nossas escolhas e suas consequências. Quando escolhemos nossos representantes, somos também responsáveis pelas ações de nossos representantes. E, neste caso, não poderemos alegar inocência, desconhecimento ou surpresa, afinal, ele sempre disse tudo isso (pelo menos encontrei alguma virtude nele: a autenticidade).


Que nossa indignação contra esta situação deprimente e revoltante, possa, desta vez, gerar reflexões e ações transformadoras das energias de ódio em sentimentos de compaixão. Que possa gerar atitudes de não-violência ativa e produtiva. Que possa nos fazer caminhar por trilhas de luz e bem. Que possamos nos descobrir, e descobrir tantos outros que, perdidos como nós nessa selva, buscam o refúgio da razão e da justiça, da compreensão e da atitude renovadora, dos direitos e deveres que dignificam à todos, e da ciência da paz.


Fábio Santos

Presidente da AbrePaz

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