Sobre a NOTA TÉCNICA No 11/2019-CGMAD/DAPES/SAS/MS, emitida pela Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde, cujo assunto é o “Esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas”.
Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. - Art. 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos
A AbrePaz vem publicamente manifestar sua preocupação com a Nota Técnica supra citada e com as mudanças que ela representa em relação à Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216 de 2001), sinalizando, tais mudanças, um retrocesso nos avanços duramente conquistados pelos profissionais de saúde, usuários dos serviços de saúde mental, familiares, bem como de todos os cidadãos que lutaram arduamente durante décadas por uma sociedade sem manicômios.
A inclusão na RAPS (Rede de Assistencia Psicossocial) de Hospitais Psiquiátricos como dispositivo de atenção aos portadores de sofrimento psíquico é um retrocesso aos avanços conquistados até aqui, que visavam a desinstitucionalização da pessoa com transtorno mental e a garantia de tratamento com dignidade.
Ao incluir as Comunidades Terapêuticas na RAPS se comete um grave erro, uma vez que elas, em sua maioria, não dispõem de equipes multiprofissionais de saúde. Além disto, em mais de 50% das comunidades, verificam-se situações de violações de direitos humanos caracterizadas por práticas envolvendo sanções e punições equivalentes a tortura (Relatório de Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas -2017, conduzido em parceria pelo Conselho Federal de Psicologia, Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão / Ministério Público Federal).
Ao incluir o retorno da Eletroconvulsoterapia (ECT), o eletrochoque, com financiamento do SUS, o governo contempla os anseios de uma parcela de profissionais da área da saúde, sem promover amplo debate sobre “instrumento terapêutico” tão controverso, que serviu aos porões da ditadura no passado recente do nosso País, como método de tortura a presos políticos.
A RAPS tem como Diretrizes fundamentais:
Respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia, a liberdade e o exercício da cidadania.
Promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde.
Garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar.
Ênfase em serviços de base territorial e comunitária, diversificando as estratégias de cuidado, com participação e controle social dos usuários e de seus familiares.
Organização dos serviços em RAS regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado.
Desenvolvimento da lógica do cuidado centrado nas necessidades das pessoas com transtornos mentais, incluídos os decorrentes do uso de substâncias psicoativas.
Que possam ser preservadas as conquistas contempladas na Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216 de 2001) e que as mudanças venham para aprimorar estas conquistas, aperfeiçoando-as sempre mais.
Relembramos, por fim, o triste e vergonhoso episódio em nossa história conhecido como “Holocausto Brasileiro”, contido no livro de mesmo nome, da autora Daniela Arbex, onde cerca de 60 mil pessoas morreram dentro do Hospital Colônia de Barbacena, local que recebia não somente pessoas com transtornos mentais, mas também qualquer um que fosse considerado “incômodo” para a sociedade como opositores políticos, prostitutas, homossexuais, mendigos, pessoas sem documentos, entre outros grupos marginalizados.
Que não esqueçamos nossa essência humana e espiritual. A AbrePaz deseja um tratamento de saúde humanizado e não-violento. Que não caiamos na tentação de cometer abusos os mais variados, punições disfarçadas de tratamentos de saúde, prisões e segregações disfarçadas de internações, que a dignidade humana seja nosso primeiro objetivo!
E que a democracia seja o remédio para se evitar que episódios como estes, violações aos Direitos Humanos por décadas, com omissões e conivências do Estado, do corpo de saúde, familiares e sociedade, jamais se repitam. Que haja sempre, e cada vez mais perfeitos, instrumentos de controle e fiscalização.
“Não bastará que o homem não pratique o mal, mas sim que faça o bem no limite de suas forças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver praticado o bem.” (Pergunta 642 de O Livro dos Espíritos)
Brasil, 17 de fevereiro de 2019
Associação Brasileira Espírita de Direitos Humanos e Cultura de Paz - AbrePaz
Diretoria Executiva
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